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Resumo
Talvez minha maior virtude tenha sido nascer míope. A paisagem do míope é como um grande borrão, mancha disforme em que as cores dos objetos vistos ultrapassam as fronteiras dos seus próprios contornos: entram na borda da borda do outro e formam então, juntos, uma paleta de poças de aquarela. E o mais bonito não é isso, e sim a ideia de que aquilo que está a 10m de mim se mistura nesse momento à pessoa que chega segurando seus livros a 50m de distância. Parecem estudos ainda não prontos de pinturas ligadas à escola veneziana de Giorgione e Ticiano, que privilegiam a cor em detrimento da linha. A noção de profundidade é anulada. Tudo se apresenta em um único plano. É como se os olhos estivessem em lágrimas: vemos uma única coisa, o borrão. E é como se percebêssemos o espaçamento do tempo, ou melhor, deixássemos de percebê-lo. É como se as pausas fossem tiradas. O vazio entre a rampa a 10m e a mulher com seus livros a 50m se encurtou. Não existe o eixo “z”. A pausa acaba. É como se víssemos um fluxo de consciência. É o “como” que faz as vezes do próprio objeto, estando e não estando ali. Isso porque é “muita coisa junta em um único plano”. Muita não, infinitas.
Referências
XISTO, Pedro. Mandala 1. In: Caminho. Rio de Janeiro: Berlendis & Vertecchia Editores, 1979.
GOMRINGER, Eugen. 13 variationen eines themas. In: 31 poemas. trad. Percy Garnier e Philadelpho Menezes. São Paulo: Editora Arte Pau-Brasil, 1988.
MAGALLANES, Alejandro. História da arte em 100 desenhos. Revista Serrote, n 26.